InícioMárcia PontesMárcia Pontes: E se você fosse agente de trânsito por um dia?

Márcia Pontes: E se você fosse agente de trânsito por um dia?

Já pensou como seria estar na pele de um agente de trânsito por um dia? Não falo de sacar um bloco de multas ou um tablet e sair fazendo autuações no popular “sair multando todo mundo”. Falo da oportunidade de observar o trânsito e identificar as mesmas infrações que você comete com frequência, conhecer o gerenciamento e o controle do sistema de mobilidade. Além de se colocar no papel do agente de trânsito saber o que acontece e a quantidade de dinheiro público jogado fora cada vez que cones e placas de sinalização são vandalizadas. Autuar o absurdo, mas também orientar para que o comportamento não se repita, aproximar-se da população e escolher a forma de como dizer às pessoas o que elas precisam saber para termos um trânsito com mais urbanidade e educação. Já pensou? 

Antipatia pelos agentes

Em muitos casos país afora os motoristas costumam sentir antipatia pelos agentes de trânsito, mas se bate a hora do rush ou um semáforo acabou de desligar começam a questionar onde eles estão. Se perguntar o que se pensa sobre eles chove críticas, opiniões e polêmicas. 

O fato é que em se tratando de Blumenau enquanto salta um ou outro exemplo de agente de trânsito a maior parte deles não tem a simpatia dos motoristas e essa distância é preocupante, pois afasta da empatia e do diálogo. Fica parecendo que a principal função do agente é “multar” (o correto é autuar) e a do motorista é ser “multado” (o correto é ser autuado).

E se muito se queixa dessa impressão negativa antiga é porque até agora não se fez nada no âmbito da gestão e da educação do trânsito na cidade para mostrar o outro lado, o que realmente faz (ou deveria fazer) quem trabalha com o trânsito na cidade. Se por falta de modelo que inspire ou interesse a coluna vai sugerir a partir do trabalho reconhecido e premiado da EPTC de Porto Alegre. Afinal, bons exemplos são para ser seguidos e inovados. 

Um dia de agente

Em Porto Alegre funciona uma ação permanente de educação para o trânsito que busca a parceria e a responsividade da população. No site da EPTC qualquer cidadão interessado se inscreve gratuitamente para viver um dia de agente. 

São recepcionados na sede do órgão gestor de trânsito vinculado à Secretaria de Mobilidade Urbana e entram numa van que vai percorrer diferentes itinerários pela cidade em companhia dos agentes de trânsito. A ideia é fazer as pessoas verem, na prática, as infrações sendo cometidas e o quanto isso atrapalha a fluidez e cria problemas para o trânsito e a mobilidade.

O cidadão recebe a explicação do agente sobre o tipo de infração, o que pode e o que não pode segundo as leis de trânsito, para onde vai o dinheiro arrecado com as multas e como se faz o controle viário. Nessas ações, mais do que autuar o objetivo é orientar o motorista infrator e explicar o quanto a conduta e o comportamento dele prejudica a fluidez e a mobilidade dos outros. 

Para os casos mais absurdos as autuações são feitas, mas sempre que a van pára é no sentido de intervir, orientar e ouvir as demandas das pessoas olho no olho, trocando experiências com a sociedade. 

Não é prevaricação

Antes que os positivistas vistam a capa do legalismo extremo e acusem os agentes de trânsito de prevaricação ao não autuar o flagrante da infração de trânsito: prevaricação é um crime praticado contra a administração pública para satisfazer interesse ou sentimento pessoal do agente. Não é o caso.

As atividades educativas da EPTC e dos agentes de trânsito fazem parte do Plano de Segurança Viária Sustentável de Porto Alegre, que estabelece diretrizes de planejamento e gestão da segurança viária, com estabelecimento de metas para reduzir os sinistros. Segue os propósitos de desenvolvimento sustentável definidos pela ONU em sua agenda 2030. 

Com esse trabalho a EPTC venceu o Prêmio Senatran, uma premiação nacional de educação para o trânsito reconhecido como um dos melhores do Brasil e que consegue algo praticamente inédito: criar empatia da população com o órgão que cuida do trânsito numa das maiores capitais do país. Não tem mágica, tem iniciativa. 

Empatia e conhecimento

Após o percurso de van para flagrar as infrações e receber orientações dos agentes os visitantes conhecem a central de operações de monitoramento e controle de trânsito, flagram novas infrações, os pontos críticos nas vias e entendem como as decisões são tomadas para evitar gargalos e congestionamentos. 

Numa espécie de oficina conhecem os equipamentos do trânsito, como se faz o teste dos leds dos semáforos, o tamanho desses equipamentos e das sinaleiras que de longe parecem pequenas. Um dos pontos mais interessantes do tour é o local para onde são armazenados os cones e placas de sinalização que chegam sujas, amassadas, pichadas e danificadas.

Quase a totalidade são recuperadas e as inutilizadas, inclusive por perfuração de arma de fogo, são fotografadas e expostas em um banner para serem apresentadas aos visitantes no próprio local e nas palestras educativas em escolas e empresas. 

Para evitar que os semáforos fiquem desligados em caso de quedas no fornecimento de energia a EPTC utiliza No Breaks, um banco de baterias que mantém os semáforos e sinaleiras em funcionamento pelo período entre 2 e 6 horas. 

Dinheiro público

Mais do que conhecer o tamanho do estrago feito pelo vandalismo o cidadão aprende que é dinheiro público jogado fora e mais um prejuízo que todos pagam com o dinheiro dos impostos e da arrecadação de multas. 

Paracetamol do trânsito

Durante as observações guiadas pelos agentes o que mais os visitantes presenciam é o uso do Paracetamol do trânsito. Esse é o termo utilizado pelo pedagogo e formador de instrutores de trânsito, Lucas Bavaresco, da UniSenac Porto Alegre. 

“Para tudo é o Paracetamol, ou melhor dizendo, para tudo é o pisca-alerta. Quanto mais tu usa menos efeito ele tem, daí a importância de usar o pisca-alerta na hora certa e no momento certo”, diz Bavaresco. Um dos exemplos clássicos do Paracetamol no trânsito é estacionar em local proibido e ligar o pisca-alerta como se não estivesse cometendo a infração. 

Egoísmo

O que mais se vê são pessoas imobilizando o veículo em locais proibidos para resolver problemas pessoais em detrimento do coletivo quando, no trânsito, o coletivo deveria estar em primeiro lugar. 

Regras de trânsito existem para serem respeitadas, para as coisas darem certo no compartilhamento dos espaços públicos de maneira educada. 

Parceria com a população

Esse é o caminho: aproximar os agentes públicos que trabalham com o trânsito e as pessoas.  O agente público precisa ser adaptável na sua forma de se comunicar com o cidadão de forma a se fazer ser entendido. 

Não pode haver inimigos, antipatia, afastamento, resistência, não pode cada um (agente de trânsito e motorista) se entrincheirar em lados opostos quando todos têm de estar juntos por um trânsito seguro.  

Para melhorar ainda mais a comunicação com as pessoas os agentes de trânsito da EPTC recebem treinamento em questões comportamentais para saber abordá-las, conversar sem dar margem à arrogância interpretada ou de fato.

É buscar pelo próprio agente de trânsito a humanização que se quer, entender o lado do outro e tentar achar um equilíbrio: que o agente público faça o seu trabalho e que o cidadão resolva o problema dele, mas sem prejudicar o coletivo.

Blumenau também precisa entender o tamanho da SMTT para a cidade. Aprender a florescer onde está plantado e usar a estrutura que se tem para fazer educação para o trânsito junto com os cidadãos. Só assim haverá responsividade, menos discurso vazio e menos sinistros.

Crescer, evoluir, superar a mentalidade provinciana com que se pensa os problemas de trânsito da cidade com foco só nos motorizados e engarrafamentos. É preciso criar uma estrutura forte que a Escola Pública de Trânsito nunca teve para experimentar resultados ainda mais efetivos. 

Quem trabalha com trânsito, definitivamente, não faz (ou não deveria fazer) só fiscalização. Faz planejamento, gestão, sinalização, outros serviços, dentre eles a educação, e a população precisa conhecer e vivenciar isso.  

Seja motoristas, agente fiscalizador ou gestor a ideia é sempre resolver problemas e não criar outros  para que a cidade funcione. A cidade não pode parar e tem que continuar andando com segurança. Se as pessoas entenderem que o agente público está ali para ajudar as pessoas; se o agente público compreender a riqueza de sua atuação para a segurança e a mobilidade todo mundo passa a trabalhar junto. 

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