Quem chegou à conclusão que fazia pouco tempo entre duas colisões frontais provocadas por condutores embriagados em Blumenau precisa saber que esses foram apenas os casos oficialmente registrados e atendidos. Há muitas outras em que motoristas sob o efeito de álcool se envolvem. Nas leituras de comentários pelas redes sociais, principalmente nas reportagens aqui do Portal Alexandre José, fica difícil definir o sentimento da população. Isso nos leva, mais uma vez, a questionamentos importantes sobre a falta de responsabilidade da população aos apelos por condutas mais seguras.
Será que a obrigatoriedade da frase “educativa” Se Beber Não Dirija virou clichê que não cola para fazer o motorista pensar antes de dirigir?
Os casos noticiados diariamente envolvendo motoristas, álcool e direção não sensibilizam ao ponto de a pessoa concluir que ela pode ser a próxima a levar dor e sofrimento para ela mesma, para a própria família e para outras pessoas que sequer conhece?
Será que as sucatas de veículos distribuídas pela cidade mostrando que irresponsabilidade e falta de cuidados no trânsito sequela e mata estão servindo mais para distratores no trânsito do que como alerta?
Risco assumido
O sujeito consome bebida alcoólica em diferentes quantidades, sabe que existe o risco de provocar colisões, feridos e mortos, mas assume o risco, dirige e consuma o fato.
Na hora em que a infração vira crime de trânsito a mesma conversa mole fundamentada em diplomas legais: não foi alcoolemia, meu cliente tinha consumido remédios antes de dirigir. O que só serve para desviar a atenção do consumo de álcool porque se estava tomando remédios que alteram a capacidade psicomotora nem deveria estar dirigindo.
Se o tal remédio contiver substâncias psicoativas que determinem dependência a tipificação e a previsão de pena é a mesma em caso de condenação judicial.
Outro clichê das defesas de motoristas que consomem álcool e dirigem: ninguém sai de casa ou de qualquer lugar com a intenção de matar no trânsito. Mas, mata! Porque não é tão tapado assim que não saiba que beber e dirigir ou é infração administrativa ou crime de trânsito aos olhos da lei.
Sabe que o álcool altera os sentidos, os reflexos, a capacidade de julgamento, pode prever que bebendo e dirigindo as consequências podem ser piores que a colisão. Mas, vão lá e assumem o risco. Pode não ser dolo direto (fazer com intenção), mas é dolo eventual porque assumiu o risco de fazer a lambança que fez.
Diante da dificuldade de provar que não cometeu a conduta (porque cometeu) desvia o foco questionando a postura dos policiais e agentes de trânsito na hora do atendimento da ocorrência, questiona o bafômetro, e em alguns casos empenham muito dinheiro para tentar achar uma brecha que os livre da condenação. Mas, nunca das consequências da falta de responsabilidade.
Família refém
Você colocaria a sua família dentro do carro que vai dirigir depois ou enquanto consome bebida alcoólica? Colocaria a sua esposa, seus filhos, seu pai, sua mãe, bancaria o “piloto” cometendo imprudências mesmo sabendo o risco de machucá-los ou de perdê-los quando provocar uma colisão?
Pois tem muita gente que faz isso. Num primeiro momento questiona-se se esse motorista não ama a própria família. Como você se sentiria vendo as pessoas que ama machucadas por imprudência e falta de responsabilidade sua que bebe e dirige?
Se sentiria culpado ou sairia repetindo que foi fatalidade como milhares de motoristas que fazem isso todo santo dia, tarde ou noite pelas vias do país e do mundo?
Anodinia
Meus caros membros das cadeiras de especialistas do Contran que tanto temem a “agressividade” das campanhas educativas de trânsito para não causar anodinia, sinto dizer que esse dia já chegou faz tempo!
Esse sentimento de naturalização das colisões, sobretudo provocadas por quem bebe e dirige, já se instalou na sociedade e na mente de quem bebe e dirige. Há quem responda ao ser questionado se bebeu antes de dirigir: não fui o primeiro e bem vou ser o último. Mesmo sem querer concordar, a sociedade concorda.
Esse sentimento de anestesiamento, de indiferença à dor da família que perde seu ente querido e à longa espera por uma justiça que mais parece uma lesma manca que nunca chega! Esse sentimento já se instalou na sociedade dicotomizada.
Alheios à lentidão dos processos e das decisões judiciais em que quem tem mais dinheiro paga por mais recursos, por mais contestações, por mais perícias mesmo sabendo que cometeu o crime, a sociedade se divide entre os que esperam sem poder fazer nada e os que se revoltam.
Mas, em muitos casos quem bebeu e dirigiu foi o mesmo revoltado que diz que vai caçar até o fim do mundo o bêbado que dirigir e matar o meu filho dele.
Comigo não acontece
Exemplos de consequências de beber e dirigir não faltam, estão por todo lado, mas porque muito motorista ainda faz isso?
Será que o álcool tem propriedades que deixam o sujeito surdo, leso, alheio à realidade que ele mesmo pode produzir?
Será que esses motoristas pensam que tem o corpo fechado e que “acontece” só com os outros menos com ele?
Porque os tantos casos diários não serve de exemplo para o que se deve evitar?
E Deus nos livre se cada órfão de um motorista alcoolizado resolvesse julgar e sentenciar conforme o “próprio tribunal” porque aí resgataria-se da parte bárbara da história as leis draconianas do “olho por olho, dente por dente”.
Pois acredite que numa sociedade colapsada de bom senso e de falta de respeito às leis que começa pelas leis de trânsito ainda tem gente que pensa que cometer mais violência gera justiça quando na verdade gera o caos.
Lei escoteira
Nem todo escoteiro dirige, mas bem que todo motorista poderia se inspirar em alguns dos nobres princípios do Escotismo para que se comportassem e incorporassem códigos de conta assim: o motorista está sempre alerta; é obediente às leis e disciplinado. O motorista respeita o bem e a vida alheia.
Bem que poderiam se inspirar ainda mais no ramo Lobinho: o motorista está sempre de orelhas em pé e olhos bem abertos. O motorista pensa primeiro nos outros, mas antes de pensar já cuida da sua própria segurança!
E que a expressão Caça Livre seja sempre sinônimo de um bom retorno para casa e não a caça de uns aos outros no trânsito.

Márcia Pontes é escritora, colunista e digital influencer no segmento de formação de condutores, com três livros publicados. Graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul, especialista em Direito de Trânsito pela Escola Superior Verbo Jurídico, especialista em Planejamento e Gestão do Trânsito pela Unicesumar. Consultora em projetos de segurança no trânsito e professora de condutas preventivas no trânsito. Vencedora do Prêmio Denatran 2013 na categoria Cidadania e vencedora do Prêmio Fenabrave 2016 em duas categorias.