InícioGeralMárcia Pontes: acidentes com recém-habilitados são um alerta

Márcia Pontes: acidentes com recém-habilitados são um alerta

No dia a dia no trânsito parece não haver recém-habilitados para quem dirige faz tempo. No senso comum segue a crença central de que a autoescola ensina tudo e quem passou no exame prático já é capaz de dirigir e manobrar com a mesma experiência de quem tem anos de carta. O fato que muita gente ignora é que nos primeiros 5 anos de habilitação grande parte dos motoristas se envolve em algum tipo de acidente. Por isso é que os acidentes com recém-habilitados são um alerta para três principais fatores: os acidentes por imperícia, a formação de novos condutores e o comportamento dos motoristas experientes que não sabem ler os sinais sobre quando deverão agir preventivamente para evitar a colisão. 

A reportagem sobre o choque de veículo contra um muro por uma motorista recém-habilitada que aproveitou a tarde de sábado para praticar foi publicada aqui no Portal (acesse o link: https://alexandrejose.com/2023/05/motorista-recem-habilitada-bate-carro-contra-muro-enquanto-praticava-em-blumenau/) e dividiu opiniões. 

Uns entenderam “notícia desnecessária”, provavelmente sem atrativos ao paladar de leitura, enquanto outros foram empáticos, se sensibilizaram e até comentaram que passaram pelo mesmo problema. Desses vieram palavras de conforto e torcida para a motorista não desistir. 

Autoescola não ensina tudo

Um dos piores riscos para a sociedade e para os motoristas recém-habilitados é acreditar que com a CNH nas mãos já pode sair dirigindo por tudo. Aluno e instrutor são as pontas mais visíveis do processo de habilitação, mas por trás disso tem um sistema com outros atores que não aparecem ou aparecem pouco. Fazem pouco. 

O Senatran é quem dita como se deve formar motoristas no país e por meio do Contran publica as resoluções. Foi lá que se convencionou que em 20 aulas práticas, no mínimo, o candidato já poderia fazer o exame prático, conquistar a CNH e ter a permissão para dirigir em todo o território nacional. Será que se aprende os fundamentos para dirigir em menos de 24 horas? Já parou para pensar?

Ao Detran, por sua vez, cabe fiscalizar as autoescolas e dar suporte pedagógico aos Centros de Formação de Condutores. São os poucos os Detrans no país que fazem isso.

Diferente do processo que forma condutores em países com os menores registros de acidentes com recém-habilitados – o modo de ensinar os futuros motoristas no Brasil é baseado em ensino por voz, decoreba, poucas noções de manobras e já sair no trânsito no primeiro dia de aula para fazer um monte de coisas que não sabe. 

Não é a toa que um dos acidentes mais comuns com recém-habilitados é arranhar partes do carro ou deixar o retrovisor enganchado na entrada da garagem porque sequer aprenderam a como tirar e guardar o carro. Frenagem de emergência é coisa rara! 

Graças a Deus não se forma cirurgiões dessa maneira e tampouco se ensina ninguém a nadar jogando em piscina funda no primeiro dia!

Autoescola dá noções de legislação de trânsito, sinalização, placas, para saber o que é infração, o que pode e o que não pode. Conhecimentos trabalhados nas aulas práticas para tentar dar ao futuro motorista uma base do que ele deve treinar antes de se jogar nas vias depois de habilitado. Mas, não é bem isso que acontece e muitos se jogam no trânsito sem treinos. 

Atraso estrutural

Podem ter mudado o CTB, incorporado disciplinas importantes como primeiros socorros, meio ambiente, relacionamento humano no trânsito, mas a prática continua defasada!

Em pleno século 21, com os motores dos veículos cada vez mais silenciosos, ainda se “ensina” o aluno a achar o ponto da embreagem procurando a “tremidinha” ou “vibração de volante” para o veículo não interromper o funcionamento do motor o tempo todo.

Baliza é feita com pontos coloridos colados em partes específicas do veículo, tomando como referência a janela, o meio do banco, da porta, o parabrisas, faróis, lanternas, contando voltinhas de volante sem construir a relação volante/roda/frente e traseira do carro. 

O aluno que até pouco tempo fazia conversões abertas ou fechadas, deixava o veículo quase parando dentro de uma curva, deixando o carro voltar da ladeira ou interrompendo o funcionamento do motor porque passa marcha errada vai fazer isso depois de habilitado porque não se ensina a corrigir esses erros com exercícios e treinos de movimentos durante a aula. 

Mais um motivo para os motoristas experientes reverem suas atitudes no trânsito do dia porque se toparem com um recém-habilitado cometendo esses erros precisam ser mais tolerantes, empáticos e usar menos a buzina em forma de xingamento. 

Sinal de alerta

Acidentes com recém-habilitados não são notícias desnecessárias, mas sim um sinal de alerta para o problema da formação de novos motoristas no Brasil, para mudar a crença de que autoescola ensina tudo e a pessoa já sai do processo com prática. 

O ideal é que os recém-habilitados comecem os treinos passo a passo, em rua calma, tranquila, dominando o carro nas manobras como dominam o próprio corpo com o carro quase sem velocidade. Aprender a frenagem de emergência que nunca ouviram falar e não cair na conversa de que é “metendo as caras” no trânsito assim mesmo que vai ter prática.

Dirigir é um conjunto de movimentos que precisam ser bem treinados até com carro desligado para buscar a sincronia e não perder o tempo quando estiver começando a dirigir. Aprender antes a dominar cada pedal separado, depois de forma combinada, buscar sincronia de movimentos. 

Fazer bastante treino de pedal, volante, retrovisor, noção de espaço, passada de marchas, começar a dirigir em ruas mais calmas, avaliar, voltar para a rua calma, treinar mais. Se não dominou o fundamento anterior não avança para o próximo. 

Nenhum método de ensino para dirigir que se diz sério deveria jogar uma pessoa no trânsito para fazer um monte de coisa que não entende ao mesmo porque disso dependem vidas. 

Conhecer o carro, os fundamentos, as técnicas de controle e treinar passo a passo se acolhendo emocionalmente é a orientação para a mulher que perdeu o controle do veículo treinando do modo errado. Treinamento de habilitados que joga no trânsito para fazer um monte de coisa que não sabe ao mesmo tempo também não funciona. 

Já para os motoristas experientes que esqueceram das dificuldades que tiveram a empatia, a tolerância e buscar se informar mais sobre como se “ensina” a dirigir no Brasil é muito necessário. Faz mudar comportamentos e opiniões tão agressivas quanto buzinar para veículos de aprendizagem ou entender que acidentes por imperícia não escondem um mal maior. 

Márcia Pontes/Colunista

Márcia Pontes é escritora, colunista e digital influencer no segmento de formação de condutores, com três livros publicados. Graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul, especialista em Direito de Trânsito pela Escola Superior Verbo Jurídico, especialista em Planejamento e Gestão do Trânsito pela Unicesumar. Consultora em projetos de segurança no trânsito e professora de condutas preventivas no trânsito. Vencedora do Prêmio Denatran 2013 na categoria Cidadania e vencedora do Prêmio Fenabrave 2016 em duas categorias.

Notícias relacionadas

Deixe uma resposta

Últimas notícias

error: Toda e qualquer cópia do Portal Alexandre José precisa ser creditada ao ser reproduzida. Entre em contato com a nossa equipe para mais informações pelo e-mail jornalismo@alexandrejose.com

Descubra mais sobre PORTAL ALEXANDRE JOSÉ - Notícias de Blumenau

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading