Sempre digo uma coisa cada vez que o Itajaí-Açu insiste em se erguer da calha em que repousa: “é na enchente que o jornalista de Blumenau se revela”. Louco está quem pensa o contrário, pois assim como qualquer força de segurança, a imprensa blumenauense se planeja de tal maneira que vira um braço de informação importantíssimo nos desenrolares de uma cheia.
É histórico e factível este argumento. E não é preciso ir muito longe para entender o tamanho do papel do jornalismo quando a água começa a subir. O nível do rio passa a ser aguardado avidamente, aquele velho caderninho de cotas é desenterrado da pilha de papéis, imagens e imagens pipocam registrando alagamentos, deslizamentos, colocando em tempo real o estado de uma cidade adoentada pela enchente, entre bons e maus exemplos, num rodar constante de informações, dados, estatísticas e pura prestação de serviço.

Esta semana vivenciamos isto, embora falar de 9 metros de água não seja, para o blumenauense da gema, uma enchente “assustadora”. A vida segue normal, muito embora nossos ouvidos e olhos fiquem ainda mais atentos a cada informação nova que aparece. Aprendemos com o tempo esta prática padrão: consumir informação, estar preparado, ajudar de forma sábia a quem precisa e, aos que estão na rota da água, estar pronto para quando ela tragicamente chegar.
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Mas não foi uma lição fácil pra ninguém. Ao longo dos anos, sobretudo no tempo de tecnologia limitada e de poucos meios de comunicação, as enchentes deixavam seu rastro destrutivo e alguma lição para ser aprendida, sendo que algumas até demoraram para ser assimiladas. O excesso de confiança em dias meios tomados pela água foi o que levou muita gente a achar que metragens como os 16 metros de 1911 jamais se repetiriam, e 1983/1984 jogaram esta falácia lama abaixo.

Nesse meio tempo, o métier da informação foi se lapidando, adaptando tecnologias no esforço de informar da melhor forma e qualidade possível o que se passava na cidade silenciada pela enchente. Nessa batalha de dias e até meses (como foi em 1983), muitos profissionais se destacaram, registraram histórias por vezes tensas ou cômicas e inspiraram gerações de jornalistas e comunicadores no dever obrigatório de trabalho em meio á água e a lama.
Eu, sendo cria do rádio, não poderia me furtar a falar desta prática, sobretudo vindo de uma semana que a informação de dias foi concentrada nos desenrolares de mais uma enchente em Blumenau. Não sei se digo que foi “sorte” ou coincidência da vida: Joelson dos Santos tirou uma semana de breve descanso e, na gostosa obrigação da rotina, tive que assumir a parte na programação matinal da União FM. Uma semana puxada, apertada mas travada em tempo, com enchente e tudo.


A quarta-feira última (4) foi de intenso movimento dentro da programação da casa. Nosso trabalho não é totalmente noticioso, mas dentro do que nos cabe como tradicional frequência do FM, informar faz parte neste momento tenso. As águas subiam, o nível era passado, qualquer noticia importante tinha seu espaço, é o métier normal e qualquer jornalista em frente a um microfone faria igual sem piscar, como o foi em 1984.
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E porque sou específico nesta memória? Ao mesmo tempo que contribuía com a minha parte dentro da 96.5, lembrei-me de relance que a mesma União FM já foi a cabeça de um projeto interessante que as cheias do passado pediram para ser criado: a Central de Rádio-Emergência, parte importante dentro dos processos de uma enchente daqueles tempos. E era nos estúdios da então jovem emissora, à época no 14º andar do Edifício Brasília, que tudo se passava.

Na web, uma raríssima mostra deste trabalho foi descoberta há alguns anos. Trata-se da mais antiga gravação de FM de Blumenau disponível para o público e uma das mais antigas do rádio da cidade. E em tempos de raros recortes passados da comunicação blumenauense, peças como esta são verdadeiras joias para entusiastas da memória ou velhos lobos do microfone saudosos de suas aventuras nas ondas hertzianas.
A gravação é de 06 de agosto de 1984 e as águas daquela cheia ainda estavam chegando ao pico máximo (15,46m, nove centímetros mais alta que em 1983). Na medição daquele instante, por volta das 23h, o Itajaí-Açu estava ainda com 13,60 metros e a dificuldade de manter a comunicação e os trabalhos era visível, fora o cansaço da equipe de nomes dourados daqueles tempos: a começar pelo “galo” Rodolfo Sestrem, além de Nilson Fabeni, Gilmar Correa, Mirandinha, Nataniel Oliveira e outros.

A União tinha a vantagem de ouro de estar no topo de um dos edifícios mais altos da cidade naqueles tempos, o que facilitava até mesmo o trabalho do engenheiro Carlos Alberto Moritz em colocar os equipamentos de transmissão em pleno funcionamento por meio de gerador, encabeçando as emissoras de FM no esforço de comunicação pela cidade. Vale ressaltar que, à época, o transmissor da 96.5 ainda estava instalado no mesmo local da antena, no topo do Edifício Brasília, indo para o Morro Azul apenas no fim dos anos 1980.
Os poucos seis minutos de gravação são uma pequena pérola restante daquele período difícil de Blumenau. Além das informações conduzidas pela equipe na emissora, uma equipe ainda estava baseada na Prefeitura de Blumenau, onde o Projeto Crise (precursor do atual Alertablu) concentrava seus trabalhos. E ainda dava tempo para Gilmar Correa e o então prefeito Dalto dos Reis acompanharem os desenrolares da Olimpíada de Los Angeles, no mesmo dia que Joaquim Cruz faturava o ouro no atletismo.
Ouça:
Uma joia! Trágica, é claro, porque ninguém aqui é louco de enaltecer a tragédia, mas leva consigo as lições e marcas deixadas por uma de tantas cheias da cidade. Muitos nomes naquele microfone de 1984 já não estão mais entre nós, a União FM se aproxima dos 40 anos de estrada e memórias, e as enchentes continuam fazendo parte de nosso cenário, assim como continuam ensinando muito jornalista sobre o que é atuar em meio a emergência.
São lições que se renovam a cada momento em que a classe é retirada das cadeiras das redações e colocada de pé, na rua, na lama e na água para buscar a imagem, o detalhe, o número que falta, a fala da autoridade, dar alento e avisar quem precisa. Se você é jornalista de Blumenau (ou qualquer outra cidade do Vale) e lê estas linhas, saiba muito bem que sua função não tem tamanho mensurável quando uma enchente se avizinha.
E nesta hora, impossível não lembrar, por vezes, daquilo que José Nóbrega dizia: “o rio, água lodosa como fogo, retempera a alma deste povo imbatível: o blumenauense”. Ele sempre esteve certo.

André Luiz Bonomini (o Boina), “filho do Progresso, Reino do Garcia”. Jornalista graduado pela Unisociesc, atua desde 2013 no mundo da notícia. Apaixonado por história e poeta “de fim de semana”, teve passagens no rádio pela 98FM (Massaranduba), Radio Clube de Blumenau, PG2 (Timbó) e atua como programador musical da União FM (96.5), de Blumenau. Boina também é “escritor de fim de semana”, blogueiro e colunista.