Durante as Olimpíadas, muita gente descobriu o quão difícil é a trajetória de um atleta.
Os sacrifícios que precisa fazer.
Os apertos diários que enfrenta para não desistir.
Uma dura realidade que acontece desde sempre.
Mas que só vira motivo de debate a cada quatro anos.

Na delegação brasileira de 309 integrantes, 78 competidores sequer estavam incluídos no Bolsa Atleta, que tem faixas de pagamento que vão de R$ 925 (nacional), R$ 1.850 (internacional), R$ 3.100 (olímpico) e de R$ 5 mil a 15 mil (bolsa pódio).
131 não tinham patrocínio algum.
41 faziam arrecadação de dinheiro das mais diversas formas.
36 realizavam permutas.
33 conciliavam o esporte com outros empregos.
Como foi o caso de Jefferson de Carvalho Santos.
O atleta do declato teve de se virar depois de perder seu último patrocínio, do Esporte Clube Pinheiros SP, que lhe rendia até janeiro deste ano cerca de R$ 1 mil por mês.
Se tornou motorista de aplicativo.
Faturava, em média, R$ 100 por dia.

Existe um contraste nesse universo paralelo.
A relação “investimento x resultado” não é uma coincidência.
A maioria dos atletas que ganhou medalha são patrocinados por grandes empresas ou são das Forças Armadas.
Vejamos Rayssa Leal.
Com apenas 13 anos viajou para os Jogos com oito apoiadores.
Depois do seu desempenho (prata) mais de 20 empresas (grande parte oportunistas) querem associar seu nome à “Fadinha”.
Gigantes como Nike, Monster Energy e Banco do Brasil já injetavam recursos na adolescente maranhense – a Stronger Trucks que tem foco na produção de trucks para skate com sede em São Paulo foi a primeira marca a apostar no seu potencial.
A Nike registrou aumento de 700% na busca por itens de skate em seu site entre 24 e 27 de julho, quando a modalidade street foi disputada.

Por isso o tema precisa de aprofundamento.
Afinal, as estatísticas estarrecedoras apresentadas, não conseguem passar um diagnóstico completo do que é realmente a realidade do esporte olímpico no Brasil.
Não falta dinheiro.
A distribuição da renda é que está errada.
O Brasil investe no alto rendimento e esquece da base.
Temos muito dinheiro concentrado para quem já conseguiu chegar lá.

Por isso, obviamente, a ação da jogadora de handebol Kaylane Salete de Bastiani não causa mais impacto.
Desde a última terça-feira (24), a blumenauense de 18 anos está fazendo uma “vaquinha” online para custear as despesas de uma cirurgia no quadril.
Como também não existe mais surpresa na notícia de que o atleta olímpico Matheus Gabriel Correa está realizando uma rifa de um celular da Samsung que ganhou no Japão – todos os atletas receberam um aparelho que tem preço aproximado de R$ 6.500,00.

No caso específico de dificuldade do Matheus, antes das Olimpíadas, o jovem de 22 anos contava com o Bolsa Atleta (R$ 925) para pagar o aluguel e outras contas, só que o benefício atrasou bastante (em maio ou Junho de 2022 vai começar a receber R$ 3.100,00).
Ele não gosta muito de falar do assunto, contudo entre fevereiro e abril, passou a fazer fretes com a Saveiro da família da namorada, Yanne Xavier.
Depois que fez o índice olímpico não arriscou mais porque o serviço era muito puxado.
Imagina carregar geladeira, fogão, máquina de lavar…


Destaque do time de Blumenau desde os 13 anos, Kaylane fraturou o quadril, durante um treino, em abril.
No começo pensou que não seria nada grave.
Cerca de R$ 2 mil foram gastos com exames e ressonâncias (bancados pela Abluhand) que constataram a necessidade de uma cirurgia no quadril.
Que custa mais de R$ 32 mil.
O procedimento em si é o que menos pesa na conta.
Valor da clínica particular: R$ 10.640,00.
Mais R$ 2 mil do anestesista.
O problema é que ela vai precisar passar um dia no hospital e aí que literalmente entra a facada.
Custo do hospital na enfermaria: R$ 20.130,00 (Total de R$ 32.770,00).
Custo do hospital no apartamento: R$ 20.500,00 (Total de R$ 33.140,00).

Perguntei porque a família não optou por fazer a operação pelo SUS.
Por conta da demora e da burocracia, me disseram.
Não deixam de ter razão.
Já vi jogador de futebol abreviar a carreira por ter tido a infelicidade do time não ter um plano de saúde ou verba para tal.
Um exemplo próximo é de William Paulista.
O centroavante se machucou sozinho no gramado do Sesi em setembro de 2018, na estreia da Copa Santa Catarina.
Sofreu uma lesão no ligamento cruzado do joelho.
Ficou de molho, esperando a vaga no Sistema Único de Saúde, por mais de um ano.
Nesse ínterim, virou treinador da base, de escolinha com projeto social (AEFA/Alumetal) e participou de peladas.
Recuperado, jogou no Jaraguá de Goiás.
Em 2020, na expectativa de ser reaproveitado, pois pertencia ao Metropolitano, foi descartado pela empresa AS (que tocava o futebol) e consequentemente pelo clube.
Nunca mais foi o mesmo, muito por conta da demora em fazer a cirurgia.

É isso que os pais e amigos da Kaylane temem.
A lesão produziu um baque na garota.
Tanto é que parou de ir aos treinos.

Só que ela se recuperou emocionalmente, pensou na carreira, se animou, voltou às atividades, e não teve vergonha de pedir ajuda.
A arrecadação está em R$ 14 mil.
Falta ainda mais da metade, é verdade, mas pela persistência, acredito que vá conseguir seu objetivo.
Espero.
Ver alguém tão talentoso e com futuro promissor desistir de um sonho, é triste.

Matheus Correa subiu de patamar.
Tem potencial para ir longe.
Mesmo assim tem consciência que para receber um repasse maior do Governo e sensibilizar patrocinadores, terá de ser protagonista, subir em pódios.
Sua meta é chegar bem preparado em Paris 2024.
Por isso decidiu fazer a ação.
Em seu Instagram escreveu que:
“O caminho que percorri nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 foi muito difícil, mas o caminho para o próximo ciclo olímpico pode ser diferente, acredito que essa trajetória possa ser percorrida com menos obstáculos e empecilhos”.
O blumenauense fez dois mil números cada um custando R$ 15.
Difícil vender tudo.
Porém se conseguir comercializar 30% (800 números) vai faturar cerca de R$ 10 mil.
Que serão investidos em materiais e passagens aéreas para futuras competições.

Vida de atleta é dureza.
Não à toa que poucos conseguem seguir adiante.
É preciso se superar todos os dias.
E muitas vezes apelar para o PIX.
