Se existe um comportamento dos motoristas considerado um dos mais gravosos e de alto potencial destrutivo no trânsito é o hábito de beber e dirigir. O dano patrimonial é o de menos, porque quando a infração aos artigos 165 e ao 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) dá errado inocentes pagam com a própria incolumidade e a própria vida.
Acidentados de trânsito são uns dos que inspiram mais cuidados durante o atendimento de urgência e assim que entram nas emergências de prontos-socorros quase sempre estão politraumatizados. Enquanto um dos maiores temores das autoridades é que com os hospitais lotados de pacientes com Covid-19 a situação beire o insustentável ainda não se sabe o que quem bebe e dirige teme.
Praticamente todos os dias os noticiários mostram casos de motoristas que causaram acidentes dirigindo sob o efeito de álcool. Tornou-se notícia recorrente, parece até que naturalizou, se tornou “normal”. No entanto, isso vai gerando nas pessoas um tipo de revolta que produz os comentários mais variados nas postagens dessas notícias.
Vítimas que sobreviveram quando um desses motoristas cruzou o seu caminho e seus familiares já sabem o que vai dar: uma hora algum inocente vai pagar a conta da bebedeira e da imprudência alheia. Quem faz o mesmo e dirige sob o efeito de álcool vai “achar” exagero e haverá quem diga que é um tipo de demonização em relação a quem bebe e dirige que beira a caça às bruxas da inquisição. Haverá também quem defenda o réu com argumentos de vidro do tipo “todo mundo erra” ou que “foi uma fatalidade porque ele/ela nunca quis matar ninguém”. E por aí vai.
O fato é que mesmo com a pandemia tendo mudado quase tudo nas atividades da vida diária das pessoas o hábito de beber ainda continua existindo em proporções alarmantes entre certos motoristas. Quem é do comércio sentiu brabo o impacto da pandemia e quem ainda não fechou as portas viu as vendas despencarem, foram obrigados a demitir funcionários, a fazer novas promoções e até a repensar sobre manter ou não as portas abertas.
Consumo de álcool é desproporcional à consciência
O fato é que o apelo ao consumo de álcool continua sendo desproporcional à responsabilidade e à consciência a respeito das consequências de dirigir sob o efeito de substâncias quem alteram a capacidade psicomotora. Daí bate o desespero e coloca-se o pouco efetivo de agentes de trânsito fazendo cinturões de fiscalização nas ruas para tentar evitar o pior. Só que a quantidade de motoristas que dirige depois de consumir bebidas alcoólicas ainda é grande e a única ação efetiva seria a conscientização.
A maior parte dos motoristas que dirigem sob o efeito de álcool e outras substâncias só são identificados depois do acidente provocado. Quando se faz uma enquete entre a população questionando se concordam com punições duras para quem bebe e dirige a maioria concorda, mas quando se questiona se concordam com fiscalização dura, barreiras e cinturões daí vai ficando diferente.
“Vai da consciência de cada um” tornou-se uma resposta frequente, mesmo sabendo que nem todos os motoristas têm essa consciência, e quando isso falta são necessárias ações e medidas impopulares como fiscalização dura, daquelas em nível de força-tarefa. As estratégias para enfrentamento dos problemas relacionados ao consumo exagerado de álcool e seus reflexos na via e na vida são complexos e interdependentes.
Trânsito é comportamento e esse comportamento que já vinha descontrolado antes da pandemia dá sinais de piora no exato momento em que os hospitais estão superlotados com pacientes com a Covid-19. Pena que tratam isso de forma isolada, como se o único risco fosse a criação de demandas desnecessárias de leitos para pacientes politraumatizados vítimas de motoristas embriagados. Ou seja, a preocupação continua sendo com as vagas nos hospitais e não em como tratar o problema na raiz.
Você, leitor, ainda acredita que multas ainda mais salgadas para quem dirige depois de beber intimida esse tipo de motorista? Slogans como “se beber não dirija” sensibiliza para a conscientização ou vira bordão a cada virada de copo e de chave?
Está sobrando dinheiro ou faltando juízo?

Márcia Pontes é escritora, colunista e digital influencer no segmento de formação de condutores, com três livros publicados. Graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul, especialista em Direito de Trânsito pela Escola Superior Verbo Jurídico, especialista em Planejamento e Gestão do Trânsito pela Unicesumar. Consultora em projetos de segurança no trânsito e professora de condutas preventivas no trânsito. Vencedora do Prêmio Denatran 2013 na categoria Cidadania e vencedora do Prêmio Fenabrave 2016 em duas categorias.