“Você está ouvindo o microfone tradicional de Santa Catarina!”
Depois que você ler esta introdução, dê play no vídeo no final deste texto, feche os olhos e deixe a imaginação trabalhar. Estamos de volta à 1964. Os movimentos controversos de 31 de março tinham passado há muito tempo. Por aqui, fora a aparente calmaria do ano, uma tradicional loja de tecidos e confecções da cidade era o destaque pois estava inaugurando sua nova casa: moderna, monumental e histórica como o próprio nome.
A multidão se aglomerava (naqueles tempos podia, que saudade!) diante das novas instalações daquela casa comercial. Entre os anônimos e funcionários sorridentes, autoridades do meio político, eclesiástico e comercial, todas para dar um aperto de mão de sucesso ao novo empreendimento. E por lá, dois repórteres fazendo o papel que lhes cabiam: levar via rádio aquele acontecimento da tarde daquela segunda-feira para milhares de ouvintes no Vale do Itajaí.
Se esse trecho foi capaz de te deixar curioso, digo que ele existiu e aconteceu eu Blumenau. Poderia contar em riqueza de detalhes, mas o melhor mesmo é viajar pela história falada e gravada que tanto tempo ficou registrada e, recentemente, veio a tona via YouTube. A descoberta foi do baterista da icônica banda Grifo e expert do som Marcos Basílio de Oliveira e, hoje, é o arquivo de rádio mais antigo que há notícia em Blumenau: a inauguração das novas instalações da Casa Peiter, em 09 de novembro de 1964.

Segundo o que Basilio me adiantou (e está na descrição do vídeo), a fita de rolo que guardava esta joia estava em posse de Celso Lungershausen, filho de Jago Lungershausen, à época proprietário da casa comercial criada por Richard Peiter em 1925, na esquina da Rua XV com Ângelo Dias, fruto da antiga casa comercial Kersanach & Cia. A digitalização do material coube à Flávio Siqueira, que talvez não soubesse, no ato, a mina de ouro histórica que tinha em mãos e fez questão de trata-la com carinho.
Rapidamente contando: depois de sua criação em 1925, a Casa Peiter tornou-se, rapidamente, referencia no ramo de “armarinhos”, ou melhor dizendo, tecidos, confecções e acessórios para o vestuário na cidade. O crescimento da empresa pediu ampliações e, em 1946, uma filial foi aberta alguns metros a frente, na esquina da Rua XV com Floriano Peixoto, o chamado “Edifício da Mutua Catarinense”. O requinte e sofisticação eram a tônica do lugar, que abrigava até desfiles de moda em algumas tardes.
No entanto, o velho prédio na esquina com a “Rua do Fantasma” já mostrava sinais de velhice para uma casa comercial que crescia a olhos vistos. Assim, no início dos anos 1960, a Casa Peiter preparou sua mudança de instalações, ocupando um moderno prédio comercial no outro lado da esquina, onde atualmente é uma das filiais do Koerich na cidade. A modernidade das novas instalações chamavam atenção de quem lá passou no dia da inauguração, especialmente duas personas inesquecíveis do rádio blumenauense: Nelson Rosembrock e Edemir de Souza.
Como se não bastasse tanta história embarcada sobre a própria Casa Peiter, o áudio ainda guarda um recorte precioso do rádio blumenauense naqueles anos dourados. De lá, a voz do “Picape da Frigideira” entrevistava diversas personalidades e funcionários, sem deixar de enaltecer, a todo momento, a beleza daquelas instalações. Mais tarde, Edemir juntava-se ao esforço de cobertura da então PRC-4, nos seus 1330 “quilociclos”.

E para quem curte rádio, é um áudio emocionante. Trata-se do tempo das Emissoras Coligadas de Santa Catarina, dos trabalhos conjuntos da Rádio Clube e da Rádio Difusora de Blumenau que levavam, junto de outras emissoras de rádio do Vale, notícias e entretenimento sem medir distâncias. A linguagem clássica, os maneirismos e, sobretudo, o registro da voz de figuras históricas da cidade são a marca deste arquivo.
Entre as personas registradas para sempre no microfone da Clube/Difusora, pessoas que ilustram livros e nomes de rua nos nossos dias: o então prefeito em exercício Wilson Gomes Santiago, o vereador e diretor da Artex Carlos Curt Zadrozny, o ex-prefeito José Ferreira da Silva, o então vigário da hoje Catedral São Paulo Apóstolo, Frei Brás Reuter e o então diretor da Cia. Hering, Nestor Seara Heusi. Este último cuja voz fez arrancar lágrimas do neto, Renato Heusi, quando ouvira o audio pela primeira vez, segundo conta Basílio.
Uma peça única, um fragmento na história de 1h20min que, hoje, trago para todos sentirem a mesma sensação: voltar no tempo, nas ondas do rádio, a um acontecimento que, talvez, só as fotos contassem como fora atualmente. Dê o play e volte à 1964, ao sinal do velho rádio, nos salões da então novíssima Casa Peiter.