Mobilidade urbana, radares desativados, discursos de indústria da multa, cidades viradas em canteiros de obras por todo o país bem às vésperas dos eleitores irem às urnas, promessas de projetos mirabolantes e visão curta de trânsito associada só a motorizados. Qual a importância dos assuntos ligados ao trânsito na sua cidade nas propostas de governo que nem sempre se concretizam quando o candidato é eleito? Fatos e questionamentos típicos em ano eleitoral que costumam dar munição aos desafetos políticos e que, em muitos casos, em vez de ganhar, tiram votos. A coluna de hoje é voltada para a importância das propostas dos candidatos para o trânsito nas cidades e como isso afeta a escolha do eleitor, o conhecimento ou não dos candidatos sobre o assunto e até sobre o “faça o que digo, não faça o que eu faço”.

Trânsito é um daqueles temas que nunca sai de pauta. Geralmente associado a acidentes, mortes, feridos, congestionamentos e a irritação dos motoristas, efetivamente, não é só isso. Quando se trata de trânsito não existem soluções rápidas, imediatas e milagrosas: é necessário planejamento, estudos técnicos, de comportamento, gestores formados e especializados no assunto e altos investimentos que muitas vezes fazem a obra virar um elefante branco por algum motivo.
Mobilidade urbana
Bola da vez em período eleitoral a mobilidade é um tema muito debatido o ano todo. Como as cidades não têm mais para onde crescer, enquanto as obras grandes como pontes e viadutos não saem do papel os engenheiros de tráfego costumam de tempos em tempos mudar o sentido de circulação de algumas vias e criar binários. A velha máxima que diz: “abra uma via nova e os motoristas já estarão prontos para congestioná-la”, se aplica algumas vezes em semanas.
Cidades para as pessoas continua sendo tema de discursos e eventos específicos ligados ao trânsito, afinal, não se cria zona verde para pedestres quando se sincroniza os semáforos: os motorizados continuam sendo prioridade. O tempo semafórico para a travessia de pedestres geralmente é curto demais para pessoas de mobilidade reduzida seja pela idade ou pelo uso de órteses (muletas, andadores, etc…).
O que dizer dos ciclistas, então, considerados estorvos por muitos motoristas e parágrafo de discurso em inauguração de obras com alguns metros de ciclovia ou ciclofaixa quando não se faz mais do que a obrigação? O que dizer dos pedestres, muitos fadados a atravessar a rua seguindo o traçado da sua caminhabilidade natural, tantas vezes sem atenção, fora da faixa, sem ver e ser visto e com fone de ouvido que o desliga dos sons naturais do trânsito? Ou aqueles que são ignorados pelos motoristas que nunca dão a vez ou atropelados em cima da faixa quando estavam fazendo a coisa certa.
Fiscalização relaxada
Entra e sai ano eleitoral e a história se repete: blitze suspensas ou quase inexistentes, subordinados do trânsito orientados a fazer vista grossa e “não multar” e os radares desligados por algum motivo para o qual a solução é lenta. Não muito distante de nós já houve casos em eleições passadas de candidatos se oferecerem para assumir os pontos de infrações de eleitores em troca de votos. E recentemente em uma cidade bem próxima candidatos pressionando as autoridades de trânsito para devolverem o veículo removido a um condutor que não sabia que era preciso registro, licenciamento e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para dirigir em via pública.
Indústria da multa
Esse discurso rende polêmica, mas nem sempre rende votos. Vamos lá ao que acontece depois que a grana da multa é arrecadada: deve ir para uma conta separada da conta única das prefeituras, mas nem sempre vai e a “dinheirama que de pouquinho em pouquinho vem do bolso dos motoristas infratores vai sendo aplicada em outras finalidades não previstas na legislação de trânsito. É nesse ponto, quando ocorre o desvio do dinheiro das multas para outras coisas, que se cogita uma eventual indústria da multa. Você sabia que o dinheiro das multas também pode ir para pavimentação e tapar a buraqueira das vias?
Os agentes de trânsito fazem o seu papel cada vez que um motorista comete uma infração, mas são subordinados a um órgão de trânsito que é subordinado ao Executivo que faz a aplicação do dinheiro das multas. Daí entra quem deveria fiscalizar o Município, exigir prestação de contas desse dinheiro, provar que existe uma indústria da multa e exigir punição dos maus gestores. Mas, desde os mais altos escalões de governo dizer que acabou ou vai acabar com a indústria da multa vem se apresentando como promessa de campanha e justificativa para aquele tradicional “peço o seu voto”.
Tempos atrás teve um candidato catarinense nas eleições para presidente, governadores e deputados, que batia sem parar na tecla da indústria da multa com mais de 200 pontos no prontuário de motorista dele. Detalhe é que nunca se viu esse e outros candidatos bem pontuados no ranking do Detran envolvidos ou encabeçando campanhas educativas para evitar o uso do celular enquanto dirige, para não estacionar em vaga de deficiente ou idoso, para não estacionar na calçada e não cometer a infração gravíssima multiplicada por três de transitar em marcas de canalização. Aliás, infrações que constam em seus prontuários de motoristas junto com alguns pares de autuações por excesso de velocidade. Sabe aquele “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço?” Pois é…
Obras grandes, caras e demoradas
Sempre que uma obra grande, cara e demorada sai do papel com todo holofote, pompa e circunstância já é hora de se pensar na próxima solução para um problema que não pára de crescer junto com a frota: a ocupação dos espaços urbanos pelos veículos enquanto os demais usuários do trânsito continuam sendo tratados como cidadãos de quinta categoria. Daí em vez de se correr atrás de solução para tirar do papel obras antigas, necessárias e caras apresentam-se soluções fantasiosas.
O fato é nem todo candidato que faz promessas mirabolantes para o trânsito tem conhecimento do que fala, promete e faz. Exemplo disso são os arremedos e improvisos viários ou declarações desastrosas de que a idade do condutor não é uma variável importante no país em que as vítimas fatais no trânsito são predominantemente jovens e em idade econômica produtiva. Esse passou vergonha e perdeu votos.
O destino do trânsito para os próximos quatro anos
Independente de quem você apoie e vá votar nessas e em outras eleições faça bom uso do seu poder de mudança, pois o destino do trânsito na sua cidade depende disso. Analise bem as propostas, o papel reservado pelos candidatos em seus planos de governo e, acima de tudo, o compromisso que eles afirmam ter com a segurança no trânsito. Que protagonismo tem o trânsito nas propostas de cada um? O candidato demonstra conhecimento acerca do que fala e promete sobre trânsito, mobilidade e segurança de acordo com a realidade ou está só lendo bem o discurso?
O candidato tem conhecimento dos números, das variáveis sobre os principais problemas do trânsito na cidade? Quais as suas propostas para se implantar programas de Educação para o Trânsito entre a comunidade escolar e não escolar? Como ele entende as crianças e os idosos no trânsito? Tem conhecimento sobre como o trânsito afeta os diferentes tipos de usuários para que possa apresentar propostas condizentes?
Trânsito é sim um dos assuntos das plataformas de governo dos candidatos que deveria contar junto com as outras propostas na hora de decidir o futuro da cidade e o voto para os próximos quatro anos. Para mim e para quem leva trânsito a sério conta sim, e muito! E olha que já teve muito candidato a prefeito e vereador por aí que perdeu a eleição por um votinho só!
Se você ainda não prestou atenção ou ainda nem viu as propostas de cada candidato para o trânsito na sua cidade comece a pensar nisso. Faz toda a diferença na hora de decidir.

Márcia Pontes é escritora, colunista e digital influencer no segmento de formação de condutores, com três livros publicados. Graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul, especialista em Direito de Trânsito pela Escola Superior Verbo Jurídico, especialista em Planejamento e Gestão do Trânsito pela Unicesumar. Consultora em projetos de segurança no trânsito e professora de condutas preventivas no trânsito. Vencedora do Prêmio Denatran 2013 na categoria Cidadania e vencedora do Prêmio Fenabrave 2016 em duas categorias.