Eis que Blumenau, a cidade provinciana cheia de histórias, entra em mais uma daquelas polêmicas de banco de hamburgueria nesta semana. A notícia da programação da Oktoberfest no Beto Carrero enfureceu alguns, alegrou a outros, e causou estranheza nos fidalgos mais fervorosos da cidade: o que o parque estaria aprontando pode prejudicar a autêntica festa nascida por aqui?

Enfim, longe das engalfinhadas de bastidores, esta relação curiosa entre o cowboy brasileiro e a capital nacional da cerveja, tem contornos que nos remetem a outros tempos da vida blumenauense. Um momento em que ser visionário era estar à frente do seu tempo, mas que não servia para o pensamento conservador e tímido que uma cidade via quando um empreendimento grandioso bate à porta. E se ainda não entendeu, eu explico.
O paulista João Batista Sergio Murad, a quem aprendemos a chamar de Beto Carrero graças a sua veia artística e sua fixação pelo mundo dos cowboys e velho oeste, era este tal visionário que sonhava alto e tinha bala na agulha para tanto. Para quem não sabe, entre suas tantas ocupações, Murad era publicitário e empresário, funções que moldou desde quando era corretor de anúncios na Folha de São Paulo, carreira que dividia junto com sua vida artística.

E foi na publicidade, responsável por contas de grandes empresas, que Beto chegou por estas bandas lá pelos anos 1970. Até abrir escritório em Blumenau foram inúmeras viagens, e de todas elas guardando um fascínio tão forte quando a vida de vaqueiro: a arquitetura, costumes e peculiaridades de uma cidade bem diferente do que via no Brasil. O escritório da JBA Murad, sua agência, viria no início dos anos 1980, um dos maiores do estado à época.
E não a toa, grandes marcas de Blumenau e região eram agenciadas por ele nos grandes centros (Sulfabril, Teka, Circulo, Buettner e por ai afora), o que o fazia ainda mais próximo da vida blumenauense. Foi a partir do seu convencimento junto aos Trapalhões, cujo tinha uma grande amizade pessoal, que Beto Carrero viabilizou a vinda da trupe ao Vale para as gravações de “Os Trapalhões no Reino da Fantasia”, de 1985.

Mas isto tudo é apenas uma pequena parte da sua vida dupla entre a publicidade e a arte circense nas suas veias. E Beto queria mais, ele queria transformar seu mundo de sonho em algo palpável. A ideia do Parque Temático não é nova, nasceu nos mesmos anos 1980 e tinha um endereço certo, para espanto de muitos: o terreno da antiga Cia. Jensen, aqui mesmo em Blumenau, na Itoupava Central.
Beto já era da vida blumenauense há tempo. Apaixonado pela arquitetura germânica, chegou a empolgar-se com a polêmica lei de incentivos à construções no “falso enxaimel”, de 1989. Mas seu parque estava na ideia, e ele foi a luta. Ele só pedia duas coisas a municipalidade: a doação de parte do terreno da Cia. Jensen (ele compraria o restante) e a ampliação do Aeroporto Quero-Quero, nada demais.

No entanto, a falta de visão dentro da potencial vocação turística da cidade impediu que Blumenau tivesse um complexo como, hoje, está edificado e consolidado na simpática Penha, no litoral, para onde correu depois de ter seu sonho descreditado nas rodas empresarias de uma cidade cega pelo que trazia aos olhos uma certa… Oktoberfest, ainda jovem e exótica.
E assim, a história seguiu seu curso. Em fins de 1991, Murad abriu seu parque que, hoje, é um sucesso inconteste com reflexos internacionais. A Oktoberfest de Blumenau cresceu e se consolidou como a maior festa alemã das Américas, coisa que Beto Carrero não chegou a ver em sua plenitude, pois sua morte em fevereiro de 2008 pegou a todos (como eu) de surpresa e um parque virou seu maior símbolo.
E como a história segue seu curso, eis que as sombras de um passado me fazem lembrar de tudo isto em meio a mais um encontrão entre Beto e Blu. E aqui não cabe dar parecer sobre o acerto (ou não) da empreitada do parque. Mas, ao viajar no tempo, não deixa de ficar no ar aquele estranho ar de “vingança” do cowboy brasileiro desde o não dos tais “alemães brrrabos” de anos antes.
Que o bang-bang de chope continue. A história segue seu curso como os galopes do Faísca.
(Gratidão ao blog do amigo-mentor Adalberto Day e a crônica de Felix Theiss, importantes para a construção desta modesta coluna)

André Luiz Bonomini (o Boina), “filho do Progresso, Reino do Garcia”. Jornalista graduado pela Unisociesc, atua desde 2013 no mundo da notícia. Amante confesso do rádio, da música (de verdade), do automobilismo e da boa roda de amigos num dia qualquer. Apaixonado também por história, eterno louco em busca de mais um sorriso no dia a dia e poeta “de fim de semana”, teve passagens no rádio pela 98FM (Massaranduba), Radio Clube de Blumenau, PG2 (Timbó) e atua como programador musical da União FM (96.5), de Blumenau. Boina também é “escritor de fim de semana”, blogueiro e colunista. Atua no jornal A Cidade (Timbó) com coluna própria e como entrevistador. Quase todos os dias, traz A BOINA uma visão diferente do cotidiano em vários assuntos, com opinião, história e reflexões para todos os lados e gostos, além de apresentar gente muito boa na escrita em crônicas e opiniões dos colegas de jornalismo e afins.